Todos nós podemos honrar a Deus no trabalho que fazemos
Dos muitos legados da Reforma Protestante, poucos tiveram impacto maior e mais abrangente do que a redescoberta da compreensão bíblica sobre a vocação. Antes da Reforma, as únicas pessoas com vocação ou chamando eram as que estavam envolvidas com o trabalho da igreja em tempo integral: monges, freiras ou padres. Como Gene Veith escreve no livro Deus em Ação (publicado Brasil pela editora Cultura Cristã:
As ocupações comuns da vida, como ser um agricultor ou ajudante de cozinha, fabricar ferramentas ou vestuário, ser um soldado ou mesmo um rei, eram reconhecidas como necessárias, porém mundanas. Essas pessoas podiam ser salvas, mas estavam atoladas no mundo. Servir a Deus plenamente, viver uma vida verdadeiramente espiritual, exigia um compromisso de tempo integral.
Ao olharem para além de tradições sem inspiração, em seu regresso à autoridade e suficiência da Palavra de Deus, os Reformadores descobriram que o ministério de tempo integral era uma vocação, mas de maneira alguma era a única vocação. Eles viram que cada um de nós possui uma vocação, e que cada vocação tem dignidade e valor aos olhos do Senhor. Todos nós podemos honrar a Deus no trabalho que fazemos.
No entanto, essa velha tradição nunca está tão longe, e se não voltarmos constantemente à Palavra de Deus e permitirmos que ela nos corrija, logo caímos nela mais uma vez. É encorajador encontramos hoje muitos pastores e autores cristãos explorando o que significa ser um cristão comum, que faz o trabalho comum como parte de sua vida comum. É encorajador ver tais líderes afirmarem o valor de todas as vocações. As perguntas que cada cristão enfrenta em um momento ou outro são estas: os encanadores, cozinheiros, médicos e empresários cristãos são menos cristãos porque não estão no ministério de “tempo integral”? E as mães e donas de casa cristãs? Elas podem honrar a Deus, mesmo por meio de vidas muito comuns? Podemos honrar a Deus através de vidas comuns sem promover tacitamente um tipo perigoso de acomodamento espiritual? O que significa não nos conformarmos com este século e nos transformarmos pela renovação da nossa mente (Romanos 12.2) nesta área de vocação?
Como esperado, a Palavra de Deus aborda estas questões. Em 1Tessalonicenses, Paulo responde a perguntas que recebera das pessoas da igreja em Tessalônica. E, aparentemente, uma das perguntas que fizeram ao Apóstolo foi algo do tipo: Como podemos viver uma vida que agrade a Deus (cf. 4.1-12)? Eles haviam sido informados do mandato de Deus na criação: que Deus nos criou e nos colocou nesta terra para exercermos domínio sobre ela como representantes dele. Eles haviam sido informados da Grande Comissão de Cristo: que seu povo deve levar o evangelho aos confins da terra, e à medida que mais e mais pessoas saem da escuridão para a luz, devem treiná-las nas coisas do Senhor.
Essa igreja conhecia esses grandes comandos, mas se encontrava esperando orientações específicas de Paulo. Como seria viver e obedecer esses mandados da criação e da Grande Comissão, para pessoas comuns, em lugares e tempos comuns? Será que requer um ministério de tempo integral? Será preciso se mudar para o outro lado do globo? O que é a vida que agrada a Deus?
A resposta de Paulo é fascinante e perfeitamente consistente com a doutrina da vocação. Sua resposta aborda três questões: a moral sexual, a igreja local e o trabalho.
Vida sob controle
A primeira coisa que Paulo diz à igreja é que, se eles querem viver vidas que agradam a Deus, precisam evitar a imoralidade sexual e, ao invés, disso buscar a pureza sexual: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra” (1Tessalonicenses 4.3-4). Os tessalonicenses precisavam rejeitar as falsificações mundanas do sexo e dos relacionamentos e, em lugar disso, buscar a piedade em tais áreas.
Vida em comunidade
A segunda coisa que Paulo diz a essa igreja é que, se eles se propõem a viver vidas que agradam a Deus, precisam se comprometer a amar as pessoas em suas igrejas locais: “Vós mesmos estais por Deus instruídos que deveis amar-vos uns aos outros […]. Contudo, vos exortamos, irmãos, a progredirdes cada vez mais” (v. 9-10). Conquanto cristãos devam estender o amor a todos os homens indiscriminadamente, eles devem concentrar o seu amor especialmente sobre os irmãos e irmãs em sua igreja local.
Vida no trabalho
O terceiro ponto de Paulo é especialmente importante para o trabalho cristão comum. Ele orienta aqueles cristãos a “diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais a precisar” (v. 11-12). Se a Bíblia fosse dizer aos crentes que o ministério de tempo integral é uma vocação maior ou melhor, se ela fosse nos dizer que os melhores cristãos são os que vendem tudo o que possuem e se mudam para o outro lado do planeta, seria de esperar encontrarmos isso exatamente aqui; contudo, não encontramos. Encontramos algo completamente diferente.
Em 1Tessalonicenses 4, Paulo dá instruções muito simples que transcendem o tempo, a geografia e a cultura. Ele diz aos Tessalonicenses que vivam tranquilamente, cuidem do que é seu e trabalhem com suas próprias mãos. Quando ele lhes diz para viverem tranquilamente, sua intenção é que eles se contentem com serem desconhecidos e passarem despercebidos. Há um paradoxo aqui: eles devem trabalhar duro para se aquietarem, ou devem ambicionar ser livres da ambição mundana. Eles devem se contentar com a sua sorte e saber que é com esse contentamento que eles podem melhor honrar a Deus. Quando Paulo lhes diz para se cuidarem do que é deles, sua intenção é que eles se concentrem em seu próprio trabalho e evitem ser intrometidos que se ocupam com tudo, exceto com o que mais importa. E quando ele lhes diz para trabalhar com suas próprias mãos, sua intenção é que eles continuem com o trabalho em que estão envolvidos, mesmo (ou especialmente) se esse trabalho envolve serviço manual. Ele podia convocá-los a tudo isto porque o trabalho deles possuía valor intrínseco simplesmente por ser sua vocação: sua vocação dada por Deus.
Até onde sabemos, Paulo não estava escrevendo para um grupo de novos cristãos aqui. Ele não estava lhes dando as instruções básicas para os conduzir por seus primeiros anos, até que finalmente se graduassem para coisas melhores e mais difíceis. Esta igreja parece ser forte e espiritualmente madura, e mesmo assim a palavra de Paulo a eles é muito simples: vocês honram e glorificam a Deus através de suas vidas perfeitamente comuns.
Vida em missão
No caso da instrução não ser suficiente, e antes de passar para outros assuntos, Paulo explica a importância e o efeito de fazer essas coisas bastante simples. Ele quer que eles façam isso “de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais a precisar” (4.12). Aqui Paulo mostra que os cristãos vivem os desejos de Deus para eles através de seus trabalhos comuns e suas vidas comuns. Esta vida tranquila, esta vida de cuidar do que é próprio e trabalhar duro, permite-lhes cumprir a Grande Comissão. Afinal, se eles fazem essas coisas, se buscam a pureza sexual, se amam e trabalham duro, Paulo lhes assegura que estarão caminhando corretamente diante dos de fora. E não apenas isso, mas estarão também exibindo amor por seus irmãos e irmãs cristãos.
Vamos ser claros: isso não é um chamado para a acomodação ou um chamado para o mínimo possível. É um chamado para ser fiel exatamente onde estamos e saber que Deus está satisfeito com o seu povo quando ele vivencia sua vida comum. Haverá alguns que são chamados para o ministério da igreja em tempo integral como sua vocação. Haverá alguns que deixarão de lado o trabalho manual, a fim de serem treinados e designados como pastores de tempo integral, dependentes do apoio de outros.
Haverá alguns que irão parar de trabalhar com as mãos para ir ao campo missionário. Isso é bom, e honra a Deus. Mas não é uma vocação maior ou melhor, ou um caminho mais seguro para agradar a Deus. Nós agradamos a Deus, nós deleitamos a Deus, quando vivemos como pessoas comuns em vidas comuns, que usam nossas circunstâncias comuns para proclamar e vivenciar um evangelho extraordinário.
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