O Grande Gatsby – Romances seculares que recomendamos [15]
Passei um ano de minha vida vivendo como Nick Carraway, o narrador de O Grande Gatsby (Penguim-Cia das Letras, 2011). Foi depois de eu ter atendido a um simples anúncio de jornal: “Chalé c/ 1 qto, frente p/ o mar. $ 215 p/ mês. Refs. Req”.
O proprietário era um aristocrata polonês expatriado, cujo caráter evocava realeza. O minúsculo chalé era uma maravilha, situado numa península metida num amplo porto na Baía de Chesapeake. A casa principal era suntuosa, os jardins, impecáveis e a visão do ancoradouro do píer, espetacular. Mansões imponentes e antigas guarneciam o porto. Passei um ano mergulhado na cultura de elite como um quase-enturmado.
Essa foi a versão virginiana de East e West Egg, vizinha de Williamsburg, onde eu passei noites sentado na varanda ouvindo o som à deriva das festas ao longo do rio. Durante a semana, ouvi histórias de escândalos locais mantidos em segredo, de relacionamentos clandestinos e de vidas gastas enchendo o vazio e enfado de dias que não mais exigiam trabalho real.
A adaptação cinematográfica de Baz Lurhmann de Gatsby já havia sido considerada um triunfo visual que revela o mundo da aristocracia americana. Muitos críticos estão explorando o que o próprio Fitzgerald enxergou como a acusação de ostentação de riqueza da estória, mas eu penso que ela esboça uma narrativa muito maior, muito humana.
Se você não leu o romance, você pode querer esperar para ler o que se segue, já que não posso prosseguir sem revelar boa parte do enredo.
Jay Gatsby, o ricaço engenhoso da estória, é tanto misterioso como carismático. Suas festas são bacanais glamorosos, sua riqueza é estonteante e sua busca por seu amor perdido (Daisy Buchanan) é obstinada. Ele gastou suas energias tentando reescrever a própria história de sua vida, tentando nascer de novo. A estória se volta para a tragédia, desenterrando a história de Gatsby e revelando sua solidão derradeira e sua essência patética. A conclusão cinzenta nos leva a sentirmo-nos inseguros, pois se gente badalada como Gatsby não tem esperança, o que nos restará fazer?
Os evangelhos de Gatsby são facilmente reconhecíveis, uma vez que eles são os evangelhos básicos de nossa cultura.
• O que há de errado com a minha vida? Perdi minha alma-gêmea. Como faço para corrigir isso? Retomando-a. Foi gratificante? Apenas por um tempo.
• O que há de errado com a minha vida? Não tenho dinheiro o suficiente. Como faço para corrigir isso? Buscando riqueza intensamente. Foi gratificante? Nunca há dinheiro suficiente.
• O que há de errado com a minha vida? Estou entediado. Como faço para corrigir isso? Buscando toda e qualquer forma de entretenimento. É gratificante? Somente até a manhã (ou as contas) chegar.
Esses evangelhos compartilham a mesma resolução: qualquer coisa enraizada neste mundo nunca satisfaz plenamente.
Agostinho conheceu esses sentimentos pessoalmente, vivendo como uma alma torturada em um mundo enganosamente materialista. Ele sabia que o mantra da cultura material é sempre assim: “nosso coração não tem sossego…”[1]. Semelhantemente, nós constantemente preenchemos nossos corações vazios de coisas e constantemente concluímos que elas não são satisfatórias.
O Gastby de Fitzgerald inclui uma metáfora para Deus nos olhos abomináveis do Dr. T.J. Ecklerburg, o letreiro desbotado do oculista que observa despreocupadamente o Vale de Cinzas que condensa o mundo do romance. Os olhos parecem simbolizar o vazio divino, que passou de confiável para mítico, porém impotente. Neles ele enxergou, talvez, a severidade da fé intensamente estéril na qual ele foi criado. Minha sensação é que ele viu Deus como um artefato efêmero e atrofiado e os cristãos, portanto, como pessoas sem esperança. Por outro lado, estou bastante seguro de que Fitzgerald enxergou todo mundo como desesperançados.
Agostinho, como se sabe, ampliou sua famosa observação: “nosso coração não tem sossego enquanto não repousar em ti”. Os evangelhos de Gatsby são apenas uma parte insatisfatória da narrativa humana; eles antecipam a transcendência satisfatória de Cristo, porém carecem da resolução final, definitiva. A esperança pode ser encontrada em Ti somente.
Assista a Gatsby. Ou, melhor ainda, leia o romance. Depois olhe para os seus vizinhos e perceba que, ricos ou não, eles são Gatsby, lutando com o vazio e a solidão. E lembre que o evangelho cristão compele você a alcançá-los com as boas novas de que o próprio Deus é capaz de reescrever a história de nossas vidas, através de Seu amor.
#1 Agostinho. Confissões. Mundo Cristão, 2013. Edição Kindle, loc. 92-93. Tradução de Almiro Pisetta.
Gene C. Fant Jr. (PhD, University of Southern Mississipi) atua como superintendente e professor de inglês na Palm Beach Atlantic University, em West Palm Beach, Flórida. Ele é o autor de The Liberal Arts: A Student’s Guide and God as Author: A Biblical Approach to Narrative.
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