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Abraham Kuyper adorava apelar à autoridade de Calvino para vários assuntos, mas quando ele abordou a questão da arte em suas Stone Lectures em 1898[1], no Seminário de Princeton, ele o fez de uma forma bastante curiosa. Ele disse que estava procurando por insights do Reformador de Genebra em relação a esse assunto precisamente porque “o próprio Calvino não era artisticamente desenvolvido”[2]. Uma vez que Calvino, evidentemente, não tinha opiniões bem informadas a oferecer no tocante a peculiaridades artísticas, Kuyper arrazoou, podemos confiar que ele deve ter inferido seus insights puramente “de seus princípios”, o que significa que “ele pode ser reconhecido como tendo exposto a consideração calvinista sobre a arte como tal”.
Kuyper, de fato, apela para alguns “princípios” que ele atribui ao Reformador. Mas o que pareceu intrigá-lo, especificamente, é a maneira como Calvino – sem a necessidade de ostentar suas credenciais como um amante da grande arte – defende a tese de uma disposição divina favorável para com a cultura popular. Para Calvino, diz Kuyper, os propósitos estéticos de Deus podem ser discernidos “mesmo quando a arte se rebaixa para tornar-se o instrumento de mero entretenimento para o povo”. Uma arte que assume a forma de um “esporte comum” pode ser o produto da “nobre vocação de desvendar para o homem uma realidade mais alta do que foi oferecida a nós pelo mundo pecaminoso e corrupto”. Qualquer tipo de arte que sirva para “dignificar a vida humana” deve ser vista “como um dom de Deus, ou mais especialmente, como um dom do Espírito Santo”.
Por mais que estimemos a interpretação geral de Kuyper da visão estética de Calvino, é claro que ele tinha seus próprios interesses em falar bem da arte da qual ele se referiu como “do povo”. Kuyper estava no auge de sua carreira política quando proferiu as palestras em Princeton. Na mesma ocasião ele visitaria Washington, como chefe do Parlamento Holandês, para um encontro com o Presidente McKinley. E em poucos anos ele estaria desempenhando o cargo de Primeiro-Ministro da Holanda.
Kuyper era conhecido na Holanda como um defensor dos cidadãos comuns (de kleine luyden, “o zé-povinho”). Ele sentiu, por exemplo, uma genuína dívida espiritual para com os camponeses, falando carinhosamente de um grupo de membros piedosos em sua primeira paróquia liderado por uma jovem filha de moendeiro pouco instruída, Pietje Baltus, que corajosamente o avisou que ela e seus amigos se recusaram a frequentar os cultos daquela igreja por conta de sua teologia liberal. Este encontro foi, para Kuyper, um passo importante em direção a uma conversão evangélica. “Não lhes fiz oposição”, ele escreveu mais tarde. “Em sua linguagem simples, eles me trouxeram para essa convicção absoluta na qual a minha alma pode encontrar descanso – a adoração e exaltação de um Deus que opera todas as coisas, tanto o querer como o efetuar, de acordo com sua boa vontade”.
Por toda a sua carreira como um líder nacional, Kuyper escreveu meditações devocionais semanalmente – amplamente lidas pelo “povo” – no jornal que ele havia fundado. Ele organizou um sindicato e uma federação de camponeses – há, inclusive, uma história na Holanda (provavelmente é uma piada, mas vale a pena contar) sobre um grupo de camponeses que, inspirados por Kuyper, fundaram uma “Sociedade para a Criação de Cabras de Acordo com os Princípios Reformados”.
A noção, então, de que João Calvino defenderia o tipo de “esporte comum” que servisse para “dignificar a vida humana” teria parecido familiar a Kuyper. E essa é uma perspectiva que fala ao nosso próprio tipo de cultura popular.
David MacFadzean é um produtor de TV que teve seu início em Hollywood como um dos escritores da série Roseanne. Mais tarde ele produziu Home Improvement, que nos anos 90 foi, por muitos anos, o seriado cômico mais visto na televisão. MacFadzean é um cristão evangelical astuto teologicamente, e certa vez contou a alguns de nós que o tema constante de Home Improvement era a “fidelidade pactual”. Os enredos apresentavam relações saudáveis de vizinhança, e representou um casamento em que, durante todas as interações humorísticas, um marido e uma esposa permaneciam fiéis um ao outro, respeitando a dignidade inata um do outro.
Isso, naturalmente, é um exemplo de um elemento da cultura popular em que a formação da mensagem como um todo foi guiada por convicções de fé. Mas a exploração de temas que “dignificam a vida humana” nos esforços daqueles que estão além das fronteiras de suas comunidades de fé também podem ser esclarecedores para os cristãos “comuns”. Recentemente palestrei em uma grande congregação pentecostal onde fui informado de um grupo de estudo que se reunia semanalmente para discutir o episódio mais recente de The Walking Dead. Isso me inspirou a ver a série no Netflix.
Os enredos de The Walking Dead são complexos e, frequentemente, um pouquinho difíceis para as minhas sensibilidades aceitarem. Mas para mim, uma cena se destaca como especialmente “dignificante”. O grupo, liderado por um ex-policial, está discutindo entre si acerca dos próximos passos a tomar após terem sofrido ainda mais perda e morte. As estruturas da sociedade civil tinham sido destruídas e não havia mais nenhuma autoridade policial. Os argumentos, agora, dizem respeito ao que o grupo precisa fazer para sobreviver. Em um ponto chave, o agricultor idoso Herschel trata o grupo com severidade. “Não pode ser apenas uma questão de sobrevivência”, ele diz. “Ainda há Lei”.
Achei essa intervenção “dignificante”. Tenho uma reação parecida diante dos conflitos morais que são apresentados em The Americans e The Good Wife, sem contar as manifestações ocasionais de espírito esportivo no campo de futebol e na quadra de basquete.
Meus heróis calvinistas, Calvino e Kuyper, ficariam satisfeitos com o que o grupo de estudo semanal da congregação pentecostal estava fazendo. E esse grupo poderia receber um incentivo especialmente pentecostal da insistência de Kuyper de que explorar temas na cultura popular é algo bom. Mesmo lá, ele acreditava, podemos descobrir um “dom do Espírito Santo” de vez em quando.
[1] Essas palestras foram reunidas em livro, e em português foi publicado pela Editora Cultura Cristã sob o título de Calvinismo. (Nota do Tradutor.) [2] KUYPER, Abraham. Calvinismo (Quinta Palestra: Calvinismo e arte). Editora Cultura Cristã.
Por: Richard J. Mouw. © 2016 Fist Things. Original: CALVIN, KUYPER, AND GOD’S AESTHETIC PURPOSES Tradução: de Leonardo Bruno Galdino. © 2016 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: Ministerio Fiel. Original: Calvino, Kuyper e os propósitos estéticos de Deus Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que informe o autor, seu ministério e o tradutor, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
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