A Observância do Natal
por
Stephen D. Doe
Não há argumento contra se ter um calendário para a igreja ou a observação de “dias sagrados” no Catolicismo Romano, na Ortodoxia Oriental ou no Protestantismo em geral. É somente no ramo Reformado do Protestantismo que a questão tem sido levantada [1]. Declarando de uma forma simples, a questão é esta: nossas igrejas devem (ou podem) fazer algo especial para recordar os eventos notáveis na vida de Jesus, quando a Igreja Cristã em geral, juntamente com nossa sociedade secular, comemora aqueles eventos?
Por exemplo, um pastor deve pregar sobre o nascimento de Jesus em Dezembro, a medida que o restante da Cristandade e nossa sociedade se move para o Natal? Deve ser agendado um culto de Natal ou um culto de Sexta Feira da Paixão? Um sermão sobre a ressurreição de Cristo é apropriado no Domingo de Páscoa? Ou, estas coisas são pelo menos permitidas?
Por outro lado, negamos nossa reivindicação de sermos Reformados de acordo com a Palavra de Deus, se fizermos estas coisas que não estão ordenadas especificamente em nenhum lugar nas Escrituras? Não estamos falando sobre árvores de Natal e luzes, guirlanda e o enviar de cartões. Estamos falando estritamente sobre se a igreja de Jesus Cristo pode observar eventos particulares na vida de Jesus em datas não apresentadas na Bíblia, e se ela pode prestar culto ao seu Senhor em outros dias, além do Domingo semanal.
O princípio regulador de adoração é singularmente uma idéia Reformada. Ele é expresso na Confissão de Fé de Westminster (XXI:1) desse modo: “O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por Ele mesmo, e tão limitado por Sua própria vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens”. Devemos adorar a Deus do modo que Ele ordenou, e não de acordo com os nossos próprios desejos.
Tendo dito isto, devemos reconhecer que a aplicação do princípio regulador tem variado amplamente dentro dos círculos Reformados. Os Reformados continentais não têm ido na mesma direção que os Puritanos ingleses e os Presbiterianos escoceses. Por exemplo, a Segunda Confissão Helvética de 1566 declara (XXIV): “Ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor, a circuncisão, a paixão, a ressurreição e Sua ascensão ao céu, bem como o envio do Espírito Santo sobre os discípulos, damos-lhes plena aprovação”.
A velha Igreja Reformada Holandesa, no famoso Sínodo de Dort (1618-1619), adotou uma ordem para a igreja que incluía a observância de vários dias do calendário cristão (art. 67). Até hoje, é prática de muitas das igrejas Reformadas continentais usar tal calendário. Isto deve pelo menos fazer com que demos uma pausa em como procuramos aplicar o princípio regulador nestes assuntos, visto que a Igreja Presbiteriana Ortodoxa tem relações fraternais com inúmeras igrejas que seguem a Ordem de Dort. Dentro das igrejas Presbiterianas que aderem aos padrões de Westminster, tem havido também uma considerável variação. Certamente em nossos dias há diversidade dentro e fora da Igreja Presbiteriana Ortodoxa sobre o assunto. Nada disto, certamente, prova alguma coisa, a não ser o fato de que o que os cristãos devem fazer com estes “dias sagrados” é um ponto controvertido nos círculos Reformados.
Muitos dos argumentos sobre as origens destes dias se focam sobre o abuso deles na história e na sociedade atual. Contudo, argumentos baseados nos abusos não são muitos úteis, pois o mero abuso de uma coisa não nos diz se ela pode ou não ser usada corretamente. O casamento, por exemplo, está sujeito aos abusos por causa do pecado do homem, todavia, o casamento é inerentemente bom, visto que foi instituído por Deus.
Nem podemos usar a associação dos dias sagrados com a Igreja Católica Romana para resolver a questão. Os Reformadores não condenaram tudo o que a Igreja Católica disse ou fez. O batismo infantil, por exemplo, era e é praticado pela Igreja Católica Romana. Isto, por si só, não levou os Reformadores a rejeitarem o batismo infantil ou até mesmo negar que os batismos realizados nas igrejas Católicas Romanas eram válidos. O argumento principal contra os dias sagrados é que a observância deles viola o princípio regulador de adoração, visto que sua observância não é especificamente ordenada na Bíblia. Isto poderia parecer ser um ponto irrefutável – se não fosse o fato que, como já mencionado, as igrejas Reformadas têm, no decorrer dos séculos, diferido em sua aplicação do princípio regulador neste assunto.
Deixe-me aqui também desafiar o que se tem freqüentemente dito ser um fato aceitável, a saber, que João Calvino não observou nenhum calendário cristão. T.H.L. Parker (em Calvin’s Preaching [Louisville, Ky.: Westminster, John Knox Press, 1992], pp. 160–62) organizou evidências de registros existentes para mostrar que nos anos 1549, 1550 e 1553 Calvino “quebrou” a série de sermões que ele estava então pregando e pregou mensagens especificamente sobre o nascimento de Cristo, sobre Sua morte e ressurreição, e sobre o Pentecoste nos tempos “apropriados”. Agora, o fato de João Calvino ter feito alguma coisa não significa que estamos livres para fazê-la também, se ela viola as Escrituras. Todavia, há um ponto importante aqui. A companhia dos pastores de Genebra aboliu a celebrações de festas, mas aqueles pastores, incluindo Calvino, ainda estavam livres para pregar sobre os eventos da vida de Cristo em certas ocasiões.
O princípio regulador deve ser interpretado como dizendo que Deus ordenou um pastor não pregar sobre certas coisas em certos períodos do ano? Isto não pode, de forma alguma, ser verdade. A igreja é ordenada a ensinar tudo o que Cristo ordenou (Mateus 28:20), e a igreja sempre entendeu que isto inclui o todo da Escritura (cf. 2 Timóteo 3:15-17; 4:2; Atos 20:27). A pregação do significado redentivo-histórico de toda a vida de Cristo é proveitosa para o povo de Deus.
Uma justificativa adicional pode ser feita, a saber, que uma ênfase sobre o nascimento de Cristo se levanta quando a igreja está batalhando para defender a verdadeira humanidade de Cristo, e que a igreja hoje também enfrenta uma batalha para defender a realidade da Encarnação como um evento no tempo e no espaço. O nascimento de Cristo é parte de todo o conselho de Deus, o qual deve ser pregado.
Uma justificativa adicional pode ser feita, a saber, que uma ênfase sobre o nascimento de Cristo se levanta quando a igreja está batalhando para defender a verdadeira humanidade de Cristo, e que a igreja hoje também enfrenta uma batalha para defender a realidade da Encarnação como um evento no tempo e no espaço. O nascimento de Cristo é parte de todo o conselho de Deus, o qual deve ser pregado.
O assunto, na verdade, é uma questão de liberdade. Esta é a questão com a qual James Bannerman lutou quando ele lidou com os “feriados eclesiásticos” (em The Church of Christ [Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1974], pp. 406–20). A igreja tem autoridade para estabelecer certos feriados e para ordenar que pastores e assembléias os observem? A questão da imposição destas coisas era o assunto real que estava por detrás da linguagem da Confissão de Fé de Westminster. Seus elaboradores estavam acostumados com as cargas impostas em sua adoração pela Igreja da Inglaterra, que requeria tais coisas como livros de oração e vestimentas. Era a imposição de tais coisas, e não as coisas em si mesmas, que constituíam o assunto. Por exemplo, os ministros Puritanos deveriam vestir becas, mas não se eles fossem obrigados a assim fazer. Tal assunto era uma questão de liberdade cristã (cf. CFW, XXI).
A igreja tem alguma autorização para obrigar o povo de Deus a fazer algo além do Domingo semanal, quando o que se está em questão é o calendário da igreja? Não. O princípio regulador, como declarado em nossa Confissão de Fé, significa que, visto que Deus não ordenou a um pastor pregar sobre o nascimento de Jesus Cristo no mês de Dezembro, ele não pode assim fazê-lo? Não. Se eu, como um pastor, não tenho a liberdade de pregar, à partir da Palavra de Deus, o que eu vejo que seja bom para o povo de Deus, então, o princípio regulador está sendo mal aplicado. E se uma assembléia não é livre para prover ao povo de Deus uma adoração para celebrar os feitos poderosos de Deus na vida de Seu Filho em qualquer ocasião, então, nós temos limitado a igreja da nova aliança mais do que a igreja da velha aliança. A igreja exerceu sua liberdade na adoração estabelecendo a Festa de Purim (Ester 9:18-32). A igreja apostólica exerceu sua liberdade se reunindo em muitas ocasiões, além do dia do Senhor para adorar, e agindo como uma comunidade (cf. Atos 1:14; 2:42-47; 4:23-31; 5:42; 13:2; 20:7-38). Este é um antegozo da igreja na glória, onde ela estará sempre adorando (Apocalipse 4).
Este equilíbrio é visto no exemplo do nosso Salvador, que exerceu Sua liberdade de consciência, quando não violando o princípio regulador, esteve presente na Festa de Dedicação (isto é, Chanucá; cf. João 10:22). Esta festa extra-bíblica não foi ordenada por Deus na Escritura, mas foi iniciada pelos judeus para comemorar a re-dedicação do templo, quando o Antigo Testamento já estava “fechado”. Jesus era livre para subir a Jerusalém ou não. Deus ordenou que O adoremos, e Jesus estava usando esta ocasião para obedecer o mandamento de Deus.
A igreja pode ordenar que o povo de Deus se reúna no culto de Natal? Não. A igreja pode adorar nesta ocasião sem requerer a presença de todos? Sim. Um ministro pode pregar sobre qualquer passagem das Escrituras em qualquer época do ano? Sim. Ele deve necessariamente pregar sobre a Encarnação em Dezembro? Não.
Stephen D. Doe é pastor da Igreja Presbiteriana Ortodoxa da Aliança em Barre, Vermont. NOTA DO TRADUTOR: [1] - Contudo, não é esta a realidade do Brasil. O ramo do protestantismo que mais tem se levantado contra o Natal e outras festas cristãs, de uma forma extremamente legalista, é o ramo pentecostal e neo-pentecostal, atribuindo tais festas não somente ao mundo, mas inclusive ao próprio diabo. Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto Cuiabá-MT, 18 de Dezembro de 2004.
Stephen D. Doe é pastor da Igreja Presbiteriana Ortodoxa da Aliança em Barre, Vermont. NOTA DO TRADUTOR: [1] - Contudo, não é esta a realidade do Brasil. O ramo do protestantismo que mais tem se levantado contra o Natal e outras festas cristãs, de uma forma extremamente legalista, é o ramo pentecostal e neo-pentecostal, atribuindo tais festas não somente ao mundo, mas inclusive ao próprio diabo. Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto Cuiabá-MT, 18 de Dezembro de 2004.
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